
Bailarina do Afoxé Alafin Oyó. Foto: Samuel Calado
O QUE É AFOXÉ?
Na etimologia, o termo ‘afoxé’ provém da língua africana iorubá e significa a “fala que faz”. No Brasil, o primeiro grupo surgiu em 1885, em Salvador, na Bahia, com o nome Afoxé Embaixada da África que tinha a intenção de brincar o carnaval. Segundo a vice-presidente do Afoxé Omo Inã, Bernadete Ramos, da comunidade da Mangabeira, na Zona Norte do Recife, a iniciativa se deu através de um grupo de ogans (nome dado aos percussionistas dentro dos terreiros de candomblé) que pediram autorização babalorixás e as yalorixás (líderes espirituais nas religiões de matriz africana) da localidade para irem às ruas tocar durante o carnaval na época. “Os sacerdotes autorizaram e eles puderam levar para as ruas de Salvador a musicalidade e a dança de dentro dos terreiros”, afirma.
O presidente do Afoxé Alafin Oyó, Fabiano Santos, da comunidade do V8, no Sítio Histórico de Olinda, conta que o surgimento dos grupos de afoxés em Pernambuco na década de 1970 se deu de uma forma diferente comparado aos afoxés da Bahia: “O Afoxé Ilê de África, o primeiro afoxé de Pernambuco, foi às ruas enquanto instrumento de militância, com o objetivo de combater o racismo, a intolerância religiosa e a falta de oportunidades”, recorda.
Na época, o país estava sob o regime da Ditadura Militar e a repressão contra os povos de terreiro era frequente sendo necessário ir às ruas para reforçar o movimento de resistência. O vocalista do Afoxé Filhos de Dandalunda, BriBri N’Zazi, do bairro da Imbiribeira, na Zona Sul do Recife, relata que muitas vezes a polícia invadia os barracões, interrompia os cultos e apreendia os objetos religiosos. “No início não foi fácil, muitas pessoas olhavam para a gente e nos discriminavam por ser um movimento negro e feito por pessoas de periferia. Recordo, ainda enquanto desfilante dos vários insultos racistas e intolerantes que escutei. Mesmo diante disso, continuamos indo às ruas para desmistificar essa visão errada da nossa ancestralidade”, relata.
Atualmente existem aproximadamente 45 afoxés no estado. A maioria deles se encontram nos bairros do Recife e Região Metropolitana, onde realizam diversos eventos e trabalhos sociais durante o ano.

O sacerdote do Afoxé Omo Inã, Jefferson Nagô, explica que para existir, o afoxé precisa ter ligação direta com os terreiros de Candomblé, sendo a entidade cultural é a representação direta da religiosidade, da ancestralidade e do povo negro nas ruas. O religioso reforça também que até antes da fundação, é preciso consultar os búzios para pedir a autorização das divindades. “A gente joga para saber o Odu (destino) de quem vai cuidar da entidade cultural e conhecer também o orixá patrono, ou seja, a divindade que irá apadrinhar o grupo. Após isso, são feitos os preceitos religiosos como reverenciar os eguns (antepassados), chamar o orixá em terra e fazer outros fundamentos. Até para conhecer o nome do afoxé é preciso consultar aos orixás”, explica.
Afoxé Omo Inã em apresentação na Comunidade da Mangabeira, Zona Norte do Recife. Foto: Samuel Calado
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Além da religiosidade, “o afoxé e os terreiros são vistos como instrumentos de formação política e educacional”, como explica Fabiano. “Uma espécie de quilombo contemporâneo, onde além de aprenderem sobre musicalidade, os participantes são incentivados a crescerem profissionalmente. Este é um dos nossos objetivos enquanto coletividade negra”, afirma.
União, representação, religiosidade e resistência. São essas as quatro palavras que unem o movimento dos grupos de Afoxés no estado de Pernambuco. O presidente do Ará Omim, Lourival Santos, da comunidade do Vasco da Gama, na Zona Norte do Recife, diz que o grupo enfrentou uma grande resistência por parte dos moradores quando iniciou suas atividades dentro da Associação do Bairro. “Recebemos diversas reclamações de moradores. Alguns disfarçavam o preconceito no descontentamento com o barulho, outros eram mais explícitos e diziam que não queriam um grupo que cultuava os ‘demônios’ naquele espaço de visibilidade. Fizeram até denúncias à polícia, a prefeitura e ao líder comunitário para nos tirar daqui. Era óbvio que o problema não estava na sonoridade, até porque o espaço recebe muitas festas. O grande problema, que não é novo, estava na pele, na religiosidade e na militância da gente”, desabafa.
A força histórica desses grupos é expressada sobretudo na resistência. Quem vê os afoxés brilhando no carnaval pensa que o trabalho começa e termina ali, mas não é assim. O presidente e sacerdote do Filhos de Dandalunda, Pai Moacir de Angola, do bairro da Imbiribeira, na Zona Sul do Recife, explica que a festividade possibilita espaços de militância e visibilidade. “É um momento para a gente se reunir, discutir e revigorar as energias para os 365 dias de enfrentamento ao racismo e a intolerância religiosa no ano.