
Integrantes do Afoxé Ará Omim. Foto: Samuel Calado
Afoxé Ará Omim: O grito de resistência dos filhos de Iemanjá na Zona Norte do Recife
Na comunidade do Vasco da Gama, na Zona Norte do Recife, existe um grupo de afoxé cujo o orixá patrono é representado por Iemanjá. O Ará Omim, traduzido como Povo das Águas, leva para as ruas o encanto da religião de matriz africana e a homenagem à Deusa ligada aos oceanos e à maternidade, conhecida também como senhora dos Oris (cabeças).
De acordo com o presidente do grupo, Lourival Santos, o grupo foi criado em 2014 através do amor de um filho de Xangô (orixá do fogo e da justiça) por Iemanjá. “Sempre foi uma vontade antiga criar um grupo como esse na localidade. Esta divindade sempre esteve presente na minha vida, abrindo os caminhos e me protegendo do mal. Após passar por vários afoxés, decidi pedir a autorização para fundar o Ará”, relata.
Foi no terreiro Ilê Iemanjá Sabá, localizado no bairro de Nova Descoberta que a semente foi plantada. Estavam todos os filhos de santo reunidos diante do babalorixá Sebastião de Iemanjá, esperando o sacerdote consultar o oráculo dos búzios para saber obter a confirmação da criação do afoxé. Após rezas e pedidos o líder espiritual joga os búzios sobre uma arupemba coberta por uma toalha branca. Aláfia! Que significa uma confirmação positiva. Foi a partir desta autorização que o grupo começou a suas atividades com o objetivo de combater o racismo e a intolerância religiosa.
Louri, como é chamado carinhosamente pelos integrantes do afoxé, também é Ogã pejigan da casa e relata que a intolerância religiosa era bastante forte na localidade. “As pessoas tinham visões horríveis da nossa religiosidade. Nos chamavam dos mais terríveis nomes. Isso só nos motivou mais ainda a continuar e mostrar como é lindo o nosso axé”.

Vocalista do Afoxé Ará Omim gravando músicas no estúdio da Uninassau. Foto: Samuel Calado
No início dos anos 2000, existiam vários projetos sociais na localidade que ofereciam diversas atividades formativas às pessoas e as tiravam do mundo das drogas. Segundo o líder do grupo, com o passar do tempo, essas ações foram acabando por falta de recursos. Consequentemente, a violência começou a aumentar. “O objetivo de criar o nosso afoxé foi de resgatar esses jovens e dar ocupação para eles, fazendo com que percebam a importância da cultura no desenvolvimento enquanto seres humanos”. E a adesão dessas pessoas pôde ser vista com o passar do tempo.

Agbê do Afoxé Ará Omim em movimento. Foto: Samuel Calado
Atualmente o Ará Omim conta com aproximadamente 30 componentes fixos e vários participantes nas oficinas. Com o passar dos anos, o primeiro zelador, o Sebastião, por questão de tempo e responsabilidades com o terreiro, preferiu ceder o cargo que ocupava no afoxé para o babalorixá Guto de Iemanjá. Na medida que o grupo foi aumentando, o espaço físico do terreiro, localizado no bairro de Nova Descoberta tornou-se pequeno, havendo a necessidade de transferir as atividades para a Associação de Moradores do Alto Treze de Maio.
No Início, o grupo enfrentou bastante resistência dos moradores da localidade. O espaço até hoje é bastante utilizado para a realização de cultos religiosos de diversas denominações e festividades. Contudo, o que mais incomodava os vizinhos era a sonoridade dos atabaques, não pela questão do volume mas por serem de matriz africana. “Fomos vítimas de intolerância e racismo. Eles diziam que nós estávamos cultuando o demônio durante as oficinas e não compreendiam a importância do papel social do afoxé”, conta Lourival.
O problema ganhou uma proporção tão grande que era comum o grupo receber denúncias escritas e até abaixo-assinado para que se retirassem do local considerado de grande visibilidade. No momento mais crítico, fundamentalistas se reuniram com o líder comunitário, Severino Oliveira, mais conhecido como Bibiu, para denunciar o “culto a satanás” promovido pelos integrantes do grupo. Com muita cautela, o representante da comunidade alertou os moradores sobre as leis que combatem a intolerância religiosa e o racismo, respectivamente. Disse que não iria afastar um grupo que estava trazendo tanta melhoria para a localidade. “É fundamental ter um grupo popular como o Afoxé Ará Omim e tantos outros grupos que apresentam na redondeza em Casa Amarela, além de resgatar a cidadania na periferia, eles possibilitam a vivência do princípio de direitos de vida do cidadão”, explica o líder político. Foi a partir desse apoio que o Afoxé Ará Omim continuou com suas atividades nas comunidades do Vasco da Gama, Alto Treze de Maio e Nova Descoberta.
Assim como todos os grupos de matriz africana, antes de sair no carnaval o participantes adeptos da religião realizam uma série de preceitos religiosos para pedir proteção aos orixás, em especial a divindade Iemanjá. Segundo Lourival esta deusa, diferente de como é vista no sincretismo religioso, é representada por uma mulher negra, de cabelos crespos e seios fartos. Os seus elementos se encontram na natureza e nas águas. “Ela é a senhora da imensidão, a mãe que protege a todos que acreditam”, explica. De acordo com líder do grupo, Yemanjá na linguagem yorubá significa ‘Mãe cujo os filhos são peixes’.
Aquela que leva para o fundo do mar todos os problemas, confidências e pedidos. “Com sua proteção ela trouxe conforto no breu dos porões dos navios e esperança para chegar no continente com vida. Ela traz em suas ondas a realização dos nossos pedidos, o amor em forma de peixes e a paz no som das conchas”, ressalta. A saudação desse orixá é ‘Odoyá Yemanjá’, que significa mãe das águas.

Afoxé Ará Omim. Foto: Samuel Calado
Lourival conta que mesmo tendo fundamento com os terreiros de Candomblé, o Afoxé não se limita a casa sagrada. Nele participam líderes de outras casas como os filhos de santo do Ilê Sabá de Sebastião, do Axé de Ogunté de Pai Guto, o Axé de Ogunté de Pai Léo e do Axé Ogum Tayó. Participam também aqueles que não são religiosos mas que contribuem para a militância negra. “O Ará Omim é uma extensão da comunidade, da religião, da ancestralidade, da resistência negra e social”, explica.
Desde a sua fundação, o afoxé se preocupa em estar presente nos eventos que promovem a diversidade e o respeito entre as pessoas. Já realizou diversas apresentações em Pólos carnavalescos festivais. Entre as conquistas do grupo, podem-se destacar:
2014: Fundação do Afoxé.
2015: Habilitado no carnaval da cidade do Recife.
2016: Apresentação no Festival de Inverno de Garanhuns, no Palco Popular.
2017: Habilitado no carnaval da Fundação de Cultura de Pernambuco (Fundarpe)

Atualmente o grupo atende jovens de diversas comunidades do Recife e Região Metropolitana, oferecendo várias oficinas, entre elas, percussão, canto, dança, confecção de instrumentos e adereços carnavalescos. Além disso, realiza também ações de formação cidadã como seminários, debates e rodas de diálogos. Nos encontros são discutidos várias temáticas ligadas promoção da cidadania, cultura e meio-ambiente. “Nossa missão é levar para a comunidade o legado dos nossos ancestrais, corroborando na construção de uma sociedade mais justa, mais consciente e menos preconceituosa. A gente só pode combater a ignorância com o conhecimento”, relata Lourival.
Vocalista do Afoxé Ará Omim cantando na gravação das músicas no estúdio da Uninassau. Foto: Samuel Calado.
Hierarquia do afoxé
Presidente: Lourival Santos
Vice-presidente: Gutemberg Flávio
Diretor de Alabê: Maycon Ferreira
Vocalistas: Augusto César e Ana Renata
Back-vocal: Carla Santos
Diretor de dança: Augusto César
Conselho fiscal: Adalberto Francisco
Secretário: José Edson
Conselho religioso: Mãe Léu, Mãe Carla, Lourival Santos e Luana Mariano
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